O Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu uma decisão de grande relevância para os beneficiários de planos de saúde ao determinar que a Prevent Senior Private Operadora de Saúde Ltda. deve custear integralmente o tratamento de uma paciente com câncer de ovário, incluindo os medicamentos Carboplatina, Gencitabina e Bevacizumabe.
Sumário
ToggleA decisão, proferida pela 9ª Câmara de Direito Privado no processo 1160590-22.2023.8.26.0100, reforça a importância de garantir que os pacientes recebam os tratamentos necessários conforme prescrição médica, independentemente das diretrizes estabelecidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O caso é significativo não apenas para a paciente envolvida, mas também para todos os beneficiários de planos de saúde que enfrentam dificuldades para obter a cobertura de medicamentos e tratamentos prescritos por seus médicos.
A decisão judicial destaca a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nos contratos de planos de saúde, afirmando que as operadoras não podem interferir na indicação médica com base em diretrizes administrativas que limitam os direitos dos consumidores.
A relatoria do caso ficou a cargo do Desembargador Galdino Toledo Júnior, que enfatizou a abusividade da negativa de cobertura pela Prevent Senior e a necessidade de proteger os direitos dos consumidores de planos de saúde.
A decisão também leva em consideração a Lei 14.454/22, que alterou o entendimento sobre a taxatividade do rol da ANS, ampliando os direitos dos pacientes ao acesso a tratamentos eficazes e baseados em evidências científicas. Este julgamento representa um marco importante na luta pelo acesso equitativo a tratamentos de saúde e na defesa dos direitos dos pacientes.
Contexto do Caso
O caso envolve uma apelação cível interposta pela Prevent Senior Private Operadora de Saúde Ltda. contra uma sentença de primeira instância que a obrigava a custear o tratamento de uma paciente diagnosticada com câncer de ovário.
A paciente, identificada nos autos, foi diagnosticada com adenocarcinoma seroso papilífero de alto grau e necessitava de um tratamento contínuo com os medicamentos Carboplatina, Gencitabina e Bevacizumabe, conforme prescrição de seu médico assistente.
Desde o diagnóstico, a paciente havia recebido seis ciclos de quimioterapia com Carboplatina, Paclitaxel e Avastin entre novembro de 2022 e março de 2023. Em abril de 2023, a paciente foi submetida a uma citorredução com HIPEC (Quimioterapia Hipertérmica Intraperitoneal).
Após um período de observação sem tratamento, os exames de imagem realizados em outubro de 2023 mostraram sinais de recidiva pélvica, indicando a necessidade de um novo regime de quimioterapia.
O médico da paciente indicou a utilização de Carboplatina, Gencitabina e Bevacizumabe, medicamentos essenciais para o controle da progressão da doença e para melhorar a qualidade de vida da paciente.
No entanto, a Prevent Senior negou a cobertura dos medicamentos alegando que eles não preenchem as diretrizes de utilização da ANS, o que levou a paciente a ajuizar uma ação de obrigação de fazer para garantir o acesso ao tratamento prescrito.
A sentença de primeira instância julgou procedente a ação, condenando a Prevent Senior a custear integralmente o tratamento indicado, inclusive os medicamentos, até que a paciente receba alta médica.
A operadora recorreu da decisão, argumentando a licitude da negativa de cobertura com base nas diretrizes da ANS e solicitando a realização de parecer técnico do NATJUS ou prova pericial para confirmar a necessidade dos medicamentos.
No entanto, a decisão da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença de primeira instância, reforçando que a indicação médica deve prevalecer sobre as diretrizes administrativas da ANS e que a negativa de cobertura foi abusiva.
A decisão destacou ainda que a operadora de saúde não pode interferir na prescrição médica e que é seu dever custear os tratamentos necessários para garantir a saúde e a vida da paciente.
Argumentos da Prevent Senior
A Prevent Senior Private Operadora de Saúde Ltda. apresentou vários argumentos para justificar a recusa em cobrir os medicamentos Carboplatina, Gencitabina e Bevacizumabe, prescritos para o tratamento de uma paciente com câncer de ovário.
A principal linha de defesa da operadora foi a alegação de que esses medicamentos não atendem às diretrizes de utilização estabelecidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Segundo a Prevent Senior, essas diretrizes são taxativas e determinam quais tratamentos e medicamentos devem ser cobertos pelos planos de saúde, com base em critérios rigorosos de eficácia e segurança.
A operadora argumentou que a decisão de primeira instância deveria ser anulada por cerceamento de defesa, solicitando a expedição de um ofício ao Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário (NATJUS) para obter um parecer técnico baseado em evidências científicas sobre a necessidade dos medicamentos prescritos.
Alternativamente, a Prevent Senior pediu a realização de uma prova pericial conduzida por um médico de confiança do juízo para avaliar a real necessidade dos medicamentos indicados pelo médico assistente da paciente.
No mérito, a Prevent Senior sustentou que sua negativa de cobertura era lícita, uma vez que os medicamentos não constavam no rol de procedimentos obrigatórios da ANS.
A operadora destacou que o contrato firmado com a paciente estipula que apenas os tratamentos e medicamentos listados no rol da ANS seriam cobertos e que a inclusão de medicamentos fora dessa lista não poderia ser imposta judicialmente.
A Prevent Senior também argumentou que existiam outras alternativas de tratamento disponíveis e que a paciente poderia recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS) para obter os medicamentos necessários.
Além disso, a operadora defendeu que a limitação de cobertura para tratamentos “off-label” (uso de medicamentos fora das indicações aprovadas na bula) é uma prática comum e necessária para manter o equilíbrio financeiro dos planos de saúde.
A Prevent Senior alegou que permitir a cobertura de medicamentos “off-label” sem uma avaliação rigorosa poderia abrir precedentes perigosos, resultando em custos elevados e comprometendo a sustentabilidade do plano.
A Prevent Senior também questionou a decisão judicial que a obrigava a custear integralmente os medicamentos, alegando que a sentença não considerou a necessidade de uma análise técnica e imparcial sobre a eficácia e a segurança dos medicamentos prescritos.
A operadora pediu a reforma da sentença, insistindo que a decisão foi baseada em uma interpretação incorreta das diretrizes da ANS e do contrato firmado com a paciente.
Decisão Judicial sobre a Cobertura de Carboplatina, Gencitabina e Bevacizumabe
A 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em sua decisão unânime, manteve a sentença de primeira instância que obrigava a Prevent Senior Private Operadora de Saúde Ltda. a fornecer o tratamento prescrito com Carboplatina, Gencitabina e Bevacizumabe para a paciente com câncer de ovário.
A relatoria do caso ficou a cargo do Desembargador Galdino Toledo Júnior, que emitiu um voto detalhado destacando a ilegalidade e abusividade da negativa de cobertura pela operadora de saúde.
O relator argumentou que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) é indiscutível nos contratos de plano de saúde, exceto aqueles administrados por entidades de autogestão.
Citando a Súmula 608 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Desembargador Galdino Toledo Júnior reafirmou que o CDC deve ser aplicado para proteger os direitos dos consumidores de planos de saúde. Essa aplicação é essencial para garantir que os contratos sejam interpretados de forma a priorizar a saúde e a dignidade dos beneficiários, especialmente em casos graves como o câncer de ovário.
A decisão judicial enfatizou a importância do princípio da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Esses princípios exigem que os planos de saúde atuem de maneira transparente e justa, cumprindo suas obrigações contratuais de maneira a não prejudicar os beneficiários.
A negativa de cobertura do tratamento necessário foi considerada uma violação desses princípios, colocando a paciente em situação de desvantagem e risco.
O relator também destacou que o rol de procedimentos e medicamentos da ANS é meramente exemplificativo, e não taxativo.
Essa interpretação é fundamental para garantir que os beneficiários de planos de saúde tenham acesso aos tratamentos prescritos por seus médicos, mesmo quando esses tratamentos não estão explicitamente listados no rol da ANS. A Lei 14.454/22 reforçou essa visão ao estabelecer que o rol da ANS serve como uma referência básica, mas não limita os direitos dos consumidores de acessar tratamentos essenciais.
Além disso, a decisão judicial citou precedentes relevantes, mostrando que a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo tem consistentemente decidido a favor dos pacientes em casos semelhantes. Esses precedentes reforçam a obrigação dos planos de saúde de fornecer medicamentos prescritos por médicos, mesmo que sejam de uso “off-label” ou não listados no rol da ANS.
A relatoria ressaltou que o papel do médico assistente é crucial e que a decisão sobre o tratamento mais adequado deve ser respeitada pela operadora de saúde.
Em suma, a decisão judicial confirmou a obrigatoriedade da Prevent Senior em custear o tratamento da paciente com Carboplatina, Gencitabina e Bevacizumabe.
O tribunal reiterou a importância de proteger os direitos dos beneficiários de planos de saúde e garantir o acesso aos tratamentos prescritos, assegurando a continuidade da vida e a saúde dos pacientes. A sentença reforça a posição do judiciário em defesa dos consumidores, promovendo a justiça e a equidade nas relações contratuais de planos de saúde.
Impacto da Lei 14.454/22 na Cobertura de Medicamentos Oncológicos
A Lei 14.454/22, que entrou em vigor recentemente, teve um impacto significativo na cobertura de medicamentos oncológicos pelos planos de saúde, alterando o entendimento sobre a taxatividade do rol da ANS.
Antes da promulgação desta lei, havia um debate jurídico sobre se o rol de procedimentos da ANS era taxativo, ou seja, se os planos de saúde só eram obrigados a cobrir os tratamentos e medicamentos listados nesse rol. Com a nova legislação, ficou claro que o rol da ANS serve apenas como uma referência básica e não limita os direitos dos pacientes de acessar tratamentos prescritos por seus médicos.
A Lei 14.454/22 estabelece que os planos de saúde devem cobrir tratamentos e medicamentos que tenham eficácia comprovada, mesmo que não estejam listados no rol da ANS, desde que atendam a um dos seguintes critérios:
- Tenham eficácia comprovada à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico.
- Tenham recomendações da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).
- Tenham recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional.
Essa legislação foi fundamental para a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo no caso da Prevent Senior. O Desembargador Galdino Toledo Júnior destacou que a Lei 14.454/22 derrubou o conceito de rol taxativo da ANS, ampliando a cobertura dos procedimentos a serem autorizados pelos planos de saúde.
A decisão judicial enfatizou que, uma vez que há eficácia comprovada e indicação médica para o uso de Carboplatina, Gencitabina e Bevacizumabe no tratamento do câncer de ovário, a operadora de saúde é obrigada a custear esses medicamentos.
A lei também reforça o princípio da boa-fé objetiva e da função social do contrato, princípios esses que foram fundamentais na decisão judicial. O tribunal considerou que a negativa de cobertura baseada em diretrizes administrativas, sem considerar a prescrição médica específica e a eficácia do tratamento, viola esses princípios e prejudica o direito do paciente ao acesso à saúde.
Além disso, a Lei 14.454/22 promove uma abordagem mais humanizada e centrada no paciente, reconhecendo a importância de tratamentos individualizados e a necessidade de flexibilizar as regras administrativas para garantir que os pacientes recebam os cuidados de que precisam.
A decisão judicial no caso da Prevent Senior é um exemplo claro de como a nova legislação está sendo aplicada para proteger os direitos dos pacientes e assegurar o acesso a tratamentos essenciais, independentemente das limitações do rol da ANS.
Essa mudança legal é um avanço significativo para os beneficiários de planos de saúde, especialmente aqueles que enfrentam condições graves como o câncer.
A decisão reforça o compromisso do sistema judiciário em defender o direito à saúde e a dignidade dos pacientes, garantindo que eles possam acessar os tratamentos prescritos por seus médicos com base em evidências científicas sólidas.