Há uma diferença realmente impactante entre a atividade de empresa e a atividade civil, pois os artigos de lei que se aplicam a um tipo de sociedade não se aplicam ao outro, sendo necessário entender qual a real natureza de uma atividade desenvolvida.
Desde o advento do código civil de 2002 o Brasil segue a teoria da empresa, que apresenta-se através da conceituação de empresário no artigo 966:
“Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.”
A partir da conceituação de empresário oferecida pelo código civil, podemos depreender, de maneira simples, a atividade de empresa, como veremos a seguir.
Da Atividade de Empresa
Em primeiro lugar, tenhamos clareza de um erro comum do nosso dia a dia: A partir de agora, como bons estudantes de direito empresarial que somos, nunca mais diremos frases como “amanhã eu vou à empresa trabalhar”. ***Ok, podemos falar, mas sempre informalmente***
Não há como ir à empresa porque a empresa não é um lugar! Empresa é o tipo de atividade que estudaremos a partir de agora, sendo o empresário aquele que efetivamente a exerce.
Pois bem, se desmembrarmos o caput do artigo 966 do código civil de 2002, encontraremos uma série de conceitos que indicam a caracterização de atividade de empresa que buscamos.
Vamos repetir o caput do artigo em voga destacando as palavras que nos oferecem tais conceitos:
“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.”
- Profissionalismo: esta palavra nos trará o conceito de habitualidade, indicando que o empresário deve desenvolver sua atividade de maneira corriqueira, substancialmente reiterada.
- Atividade Econômica: A atividade deve ter animus lucrandi, visar o lucro. Distribuir sopas aos moradores em situação de rua ou limonadas frescas em dias de calor não pode caracterizar uma atividade de empresa, pois mesmo que as sopas e os refrescos tenham sido feitos não apenas com esmero mas também com toda técnica imaginável, não há aí a intenção de lucrar, de obter vantagem monetária ou mesmo mais-valia com a atividade.
- Organizada: A atividade deverá organizar os fatores de produção, reunindo-os com fins de lucro (atividade econômica) e com habitualidade (profissionalismo).
Os tais fatores de produção a organizar serão quatro: Capital, insumos, mão de obra e tecnologia.
Capital
O capital é o patrimônio da empresa, os bens materiais sem os quais não se admite o estabelecimento da atividade de empresa. Desde dinheiro a carros e casas. Pode-se tratar, também, de bens imateriais, como marcas e patentes. Veja, uma marca como a coca-cola, por exemplo, vale muito mais do que uma infinidade de bens materiais.
Insumos
Por insumos entendemos a matéria prima da nossa produção, como por exemplo: Se vou produzir camisetas, preciso dispor de tecidos e, se vou produzir camisetas estampadas, preciso dispor das camisetas que estamparei.
Mão de Obra
A mão de obra diz respeito àqueles que auxiliarão os exercentes da atividade de empresa a alcançar seus fins.
Tecnologia
Por fim, temos a tecnologia que, a despeito do emprego vulgar da palavra, não demanda equipamentos de ponta, mas aqueles efetivamente necessários para a produção de seus produtos e serviços. Observar-se-á que temos aqui, inclusive, informação e know-how como pontos passíveis de entendimento de classificação de tecnologia – aqui entram, inclusive, propriedades como marcas e patentes.
Depreendemos, então, que além de ter a capacidade para ser empresário, o empresário é aquele que exerce a atividade de empresa, visa lucro. Mas não necessariamente aquele que exerce atividade visando lucro é empresário. É preciso verificar-se o elemento de empresa, ou seja, a união de profissionalismo, atividade econômica e organização dos fatores de produção como meio precípuo do exercício.
Da Atividade Civil
As atividades que não são desenvolvidas através do elemento de empresa serão chamadas de atividades civis.
O próprio parágrafo único do artigo 966 do código civil nos traz uma menção de atividades consideradas simples:
“Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”
Todavia, mesmo aqueles que exercem as atividades citadas como precipuamente civis, podem constituir elemento de empresa e, a partir de então, serão atividades empresariais.
Um médico ou um advogado, por exemplo, são profissionais intelectuais. Assim, um escritório de advocacia ou um consultório médico não são estabelecimentos de uma atividade empresarial.
Um médico, por exemplo, ao montar seu consultório em uma sala e atender seus pacientes fornecendo-lhes consultas, exerce atividade civil. Mesmo que associe-se com outro médico, os dois estarão em uma sociedade que exerce atividade civil, dado o caráter intelectual da atividade.
Já se esses médicos passam a esquematizar seu negócio com o elemento de empresa, ou seja, oferecendo profissionalismo à atividade econômica que organiza os fatores de produção, passam a exercer atividade empresária.
É o exemplo da sociedade que contrata enfermeiros e secretárias, compram aparelhos para fazer exames, montam uma cafeteria em um determinado espaço do consultório, etc. Veja, agora o negócio não depende exclusivamente das habilidades intelectuais próprias de cada médico, mas de todo um aparato empresarial que volta-se a fornecer uma série de serviços ou produtos, desde simples consultas a exames rebuscados.
Note-se que, no exemplo acima, o caráter intelectual dos médicos da sociedade passa a ser até mesmo descartável. Na estrutura montada, podem deixar de atender seus pacientes em consultas e apenas permitir que o setor de exames continue funcionando e, assim, a atividade continuará a ser desenvolvida.
Pois bem, quando mesmo diante de uma sociedade de cunho intelectual, chega-se a essa situação, passa-se a notar presente o elemento de empresa.
Considera-se, ainda, por força de lei, atividade simples, aquela exercida por produtores rurais que não estejam registrados no Registro Público de Empresas Mercantis, nos termos do artigo 971 do código civil: “O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.”
No mais, também por força de lei, as atividades exercidas por cooperativas serão sempre entendidas como atividade civil, já que as cooperativas serão sempre sociedades simples (tipo de sociedade que exerce atividade civil, em oposto à sociedade empresária), nos termos do artigo 982 do código civil: “Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.”
Por fim lembrar-se-á que a atividade do advogado é, também, sempre simples, nos termos do Estatuto da Advocacia da OAB:
“Art. 15. Os advogados podem reunir-se em sociedade civil de prestação de serviço de advocacia, na forma disciplinada nesta Lei e no regulamento Geral.
§ 1º. A sociedade de advogados adquire personalidade jurídica com o registro aprovado dos seus atos constitutivos no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede.
Art. 16. Não são admitidas a registro, nem podem funcionar, as sociedade de advogados que apresentem forma ou características mercantis, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam sócio não inscrito como advogado ou totalmente proibido de advogar.”
Assim, resta claro que há uma diferença profunda entre a atividade civil – mesmo aquela que visa lucro – e a atividade empresarial, o que, no mundo real, tem intenso impacto, pois as regras que regem as relações do âmbito empresarial são diferentes daqueles que regem o âmbito civil.