A aposentadoria é um direito fundamental do trabalhador brasileiro, garantido pela Constituição Federal e regulamentado por diversas leis previdenciárias. Para ter acesso a esse benefício, é necessário cumprir requisitos específicos, sendo o tempo de contribuição um dos principais. No entanto, muitos segurados desconhecem que nem todos os períodos trabalhados ou contribuídos são computados pelo INSS para fins de aposentadoria, o que pode gerar surpresas desagradáveis no momento de requerer o benefício.
Sumário
TogglePeríodos Não Computáveis no Tempo de Contribuição
O tempo de contribuição é um dos requisitos fundamentais para a concessão de benefícios previdenciários. Conforme estabelecido na legislação previdenciária, especialmente na Lei 8.213/91 e no Decreto 3.048/99, o tempo de contribuição corresponde aos períodos em que o segurado exerceu atividade remunerada com vinculação ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) ou efetuou recolhimentos como contribuinte individual ou facultativo.
Entretanto, nem todos os períodos são considerados para fins de aposentadoria. O INSS estabelece claramente quais períodos não são computáveis para o tempo de contribuição, o que pode impactar significativamente o planejamento previdenciário dos segurados.
Atividades Não Vinculadas ao RGPS
Um dos principais períodos que não são computados para o tempo de contribuição são aqueles correspondentes a empregos ou atividades não vinculadas ao Regime Geral da Previdência Social. Isso inclui, por exemplo, períodos em que o trabalhador atuou no exterior sem realizar contribuições para a previdência brasileira, a menos que haja acordo internacional de previdência entre o Brasil e o país onde o trabalho foi exercido.
Também não são considerados os períodos de trabalho informal, quando não houve o recolhimento das contribuições previdenciárias. Mesmo que o segurado tenha efetivamente trabalhado, se não houve o registro formal do vínculo empregatício e o consequente recolhimento das contribuições, esse tempo não será computado para fins de aposentadoria.
Aprendizado Profissional e Estágios
Os períodos de aprendizado profissional realizados na condição de aluno aprendiz em escolas técnicas a partir de 16/12/1998 não são computados para o tempo de contribuição. Da mesma forma, períodos como bolsistas e estagiários, que prestem serviço à empresa de acordo com a Lei n.º 11.788, de 25 de setembro de 2008, também não são considerados, a menos que tenha havido recolhimento à época na condição de segurado facultativo.
É importante destacar que, antes de 16/12/1998, o tempo de aluno aprendiz poderia ser computado para fins de aposentadoria, desde que comprovada a remuneração e o vínculo empregatício. Essa mudança na legislação afetou muitos trabalhadores que iniciaram sua vida profissional como aprendizes.
Períodos de Recebimento de Benefícios por Incapacidade
Outro período que não é considerado para o tempo de contribuição é aquele em que o segurado esteve recebendo benefício por incapacidade (como auxílio-doença, atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária) e não retornou à atividade ou não efetuou recolhimento de contribuição, mesmo que em outra categoria.
Para que o período de recebimento de benefício por incapacidade seja computado como tempo de contribuição, é necessário que haja o retorno à atividade ou o recolhimento posterior. Isso significa que, se após o término do benefício o segurado não voltar a trabalhar ou não realizar contribuições como autônomo ou facultativo, aquele período não será considerado para sua aposentadoria.
Regimes Próprios de Previdência Social
Não é reconhecido o tempo de contribuição em regimes próprios de previdência social (RPPS), salvo aquele certificado regularmente por Certidão de Tempo de Contribuição (CTC). Isso significa que, se o segurado trabalhou como servidor público vinculado a um regime próprio (federal, estadual ou municipal), esse tempo só será considerado para o RGPS mediante a apresentação da CTC emitida pelo órgão gestor do RPPS.
A CTC é um documento oficial que comprova o tempo de contribuição do servidor público para fins de averbação em outro regime previdenciário. Sem esse documento, o tempo de serviço público não será computado para a aposentadoria pelo INSS.
Trabalho com Idade Inferior à Prevista na Constituição
Também não são computados os períodos em que o segurado exerceu atividade laborativa com idade inferior à prevista na Constituição Federal, exceto nas situações previstas em lei. Atualmente, a Constituição Federal proíbe o trabalho para menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos.
No entanto, é importante observar que há exceções estabelecidas por decisões judiciais, como a Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100, que permite o cômputo do tempo de trabalho exercido antes dos limites de idade estabelecidos, desde que devidamente comprovado, em razão da proteção ao trabalho infantil e da realidade social brasileira.
Impacto da Reforma da Previdência no Tempo de Contribuição
A Reforma da Previdência, implementada pela Emenda Constitucional nº 103/2019, trouxe mudanças significativas nas regras de aposentadoria, incluindo alterações relacionadas ao tempo de contribuição. É fundamental entender essas mudanças para um planejamento previdenciário adequado.
Fim da Aposentadoria por Tempo de Contribuição
Uma das principais mudanças trazidas pela Reforma da Previdência foi o fim da aposentadoria por tempo de contribuição pura, que permitia aos homens se aposentarem com 35 anos de contribuição e às mulheres com 30 anos, independentemente da idade. Com a reforma, foi estabelecida uma idade mínima para a aposentadoria: 65 anos para homens e 62 anos para mulheres.
Isso significa que, mesmo que o segurado tenha completado o tempo de contribuição necessário, ele só poderá se aposentar ao atingir a idade mínima estabelecida. Essa mudança impactou significativamente o planejamento previdenciário de muitos trabalhadores que esperavam se aposentar mais cedo com base apenas no tempo de serviço prestado.
Regras de Transição
Para aqueles que já estavam contribuindo antes da reforma, mas não haviam completado os requisitos para a aposentadoria, foram estabelecidas regras de transição. Uma delas é a regra do “pedágio”, que estabelece um tempo adicional de contribuição proporcional ao tempo que faltava para completar o requisito na data da reforma.
Por exemplo, na regra de transição com pedágio de 50%, um homem com 53 anos que havia contribuído por 33 anos na data da reforma (faltando 2 anos para completar os 35 anos necessários) terá que pagar um “pedágio” de 1 ano (50% de 2 anos), podendo se aposentar aos 56 anos.
Já na regra de transição com pedágio de 100%, aplicável a pessoas com tempo de contribuição restante superior a 2 anos, o segurado poderá se aposentar pagando um “pedágio” de 100% em relação ao tempo de contribuição restante, desde que atinja também a idade mínima (57 anos para mulheres e 60 anos para homens).
Sistema de Pontos
Outra regra de transição estabelecida pela reforma é o sistema de pontos, que considera a soma da idade do segurado com o tempo de contribuição. Para se aposentar por essa regra, o segurado deve atingir uma pontuação mínima, que aumenta progressivamente ao longo dos anos.
Em 2020, por exemplo, as mulheres precisavam atingir 87 pontos e os homens 97 pontos. Em 2025, esses valores aumentarão para 92 pontos para mulheres e 102 pontos para homens. Essa regra permite que trabalhadores que começaram a contribuir mais cedo possam se aposentar antes de atingir a idade mínima da regra geral.
Diferença Entre Tempo de Contribuição e Carência
Um conceito frequentemente confundido com o tempo de contribuição é o de carência. Embora relacionados, são requisitos distintos para a concessão de benefícios previdenciários.
Conceito de Carência
A carência é o número mínimo de contribuições mensais que o segurado precisa ter para ter direito a determinados benefícios previdenciários. Para a aposentadoria por idade, por exemplo, a carência é de 180 contribuições mensais (15 anos).
É importante destacar que nem todo período reconhecido como tempo de contribuição é considerado para fins de carência. Existem situações específicas em que um período pode contar como tempo de contribuição, mas não ser considerado para a carência.
Pagamentos em Atraso
Para o contribuinte facultativo e o individual, inclusive o Microempreendedor Individual (MEI), o período de carência só começa a contar a partir do efetivo recolhimento da primeira contribuição paga em dia. Contribuições recolhidas com atraso não são consideradas para fins de carência.
No entanto, para efeito de tempo de contribuição, o pagamento em atraso pode ser levado em conta, desde que o recolhimento tenha sido feito antes do fato gerador do benefício (como o nascimento do bebê, no caso de salário-maternidade, ou o início da incapacidade, no caso de auxílio por incapacidade temporária).
Benefícios por Incapacidade
O período em que a pessoa ficou recebendo algum benefício por incapacidade pode ou não contar como tempo de contribuição e como carência, dependendo da situação.
No caso dos benefícios por incapacidade previdenciários, é preciso haver o retorno à atividade ou ao menos um novo recolhimento após o fim do benefício, para que aquele período conte como carência. No caso de benefícios acidentários, o período conta como carência mesmo que não haja retorno à atividade nem novo recolhimento.
Para que o período conte como tempo de contribuição, sempre é exigido o retorno à atividade ou recolhimento posterior. Isso significa que o mesmo período pode contar para carência e não ser considerado como tempo de contribuição.
Tempo Ficto de Contribuição
O tempo ficto de contribuição é aquele em que, por determinação legal, considera-se como tempo de contribuição um período em que o segurado não trabalhou efetivamente nem recolheu contribuições previdenciárias. É “ficto” justamente por essa razão: seria considerado como tempo de contribuição um período em que o segurado não laborou e também não recolheu as contribuições previdenciárias.
Mandato Eletivo
Um exemplo de situação que gerou controvérsia quanto ao tempo ficto é o caso dos mandatos eletivos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o tempo de mandato de um membro do Legislativo só conta para a previdência se durante o período ele contribuiu com o INSS.
Segundo o entendimento do STJ, antes da Lei 10.887/2004, os agentes políticos estavam inseridos no rol de segurados facultativos, de modo que o não recolhimento à Previdência Social inviabiliza a computação do tempo pretendido. A inclusão dos agentes políticos como segurado obrigatório somente efetivou-se com a Lei 10.887/2004.
Isso significa que, para períodos anteriores a essa lei, o tempo de mandato eletivo só será considerado para fins de aposentadoria se houver comprovação do recolhimento das contribuições previdenciárias.
Licença-Prêmio e Férias Não Gozadas
Outro exemplo de tempo ficto são os períodos de licença-prêmio e férias não gozadas, que eram contados em dobro para fins de aposentadoria no serviço público. No entanto, com a Reforma da Previdência, essa possibilidade foi extinta, não sendo mais possível contar em dobro esses períodos para fins de aposentadoria.
Comprovação do Tempo de Contribuição
A comprovação do tempo de contribuição é fundamental para garantir o direito à aposentadoria. O INSS trabalha com base nas informações que constam no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) de cada contribuinte, que registra todas as informações da vida laboral do segurado, como locais onde trabalhou, períodos de trabalho, valores pagos a títulos de contribuições e benefícios recebidos.
CNIS e Divergências
Para o INSS, só é válido o que consta no CNIS. Quando o instituto vai gerar os tempos de contribuição do beneficiário, ele recolhe as informações que constam nesse cadastro.
Divergências no tempo exato de contribuição podem ocorrer devido a erros do INSS na hora de contar o tempo de contribuição, ou do próprio empregador, que pode ter recolhido a porcentagem da contribuição previdenciária do empregado, mas não repassou para o INSS.
Se o segurado verificar que não consta no CNIS um período em que efetivamente trabalhou e contribuiu, é necessário comprovar esse tempo por meio de documentos como carteira de trabalho, recibos de pagamento, declarações de empregadores, entre outros.
Documentos Necessários
Para comprovar o tempo de atividade especial, que garante a aposentadoria especial, o trabalhador deve apresentar documentos que atestem sua exposição aos agentes nocivos. Os principais documentos são o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), o Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT), o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO).
Esses documentos devem ser fornecidos pela empresa empregadora e devem detalhar as condições de trabalho, os agentes nocivos presentes e o período de exposição. Em alguns casos, o INSS pode solicitar uma perícia técnica para confirmar as condições de trabalho declaradas.
Conclusão
Compreender o que não conta no tempo de contribuição para aposentadoria é fundamental para um planejamento previdenciário adequado. As regras previdenciárias são complexas e estão em constante mudança, especialmente após a Reforma da Previdência de 2019, que estabeleceu novas condições para a concessão de benefícios.
É recomendável que o segurado acompanhe regularmente seu extrato previdenciário, verifique se todos os períodos trabalhados estão devidamente registrados no CNIS e, em caso de divergências, busque orientação especializada com um advogado previdenciário que possa analisar seu caso específico e indicar as melhores estratégias para garantir seu direito à aposentadoria.