A aposentadoria por invalidez é um benefício previdenciário concedido aos segurados que se encontram permanentemente incapacitados para o trabalho. Quando obtida por via judicial, surgem questionamentos sobre a possibilidade de o INSS realizar o cancelamento administrativo desse benefício. Este artigo analisa os aspectos legais e jurisprudenciais relacionados à revisão e cessação da aposentadoria por invalidez concedida judicialmente, esclarecendo os direitos dos beneficiários e os limites da atuação administrativa do INSS.
Sumário
ToggleEntendendo a Aposentadoria por Invalidez
A aposentadoria por invalidez é um benefício previdenciário destinado aos segurados que se encontram permanentemente incapacitados para exercer qualquer atividade laborativa. Diferentemente do auxílio-doença (atual benefício por incapacidade temporária), que pressupõe uma recuperação futura, a aposentadoria por invalidez é concedida quando a incapacidade é considerada definitiva ou de longa duração.
Para ter direito a este benefício, o segurado deve cumprir alguns requisitos básicos estabelecidos pela legislação previdenciária:
- Possuir qualidade de segurado junto ao INSS
- Cumprir a carência mínima de 12 contribuições mensais (exceto em casos de acidente ou doenças graves especificadas em lei)
- Comprovar, mediante perícia médica, a incapacidade total e permanente para o trabalho
A concessão deste benefício pode ocorrer por duas vias: administrativa, quando o próprio INSS reconhece o direito após análise do requerimento e realização de perícia médica; ou judicial, quando o segurado precisa recorrer ao Poder Judiciário para ver reconhecido seu direito após negativa do INSS.
Características Legais da Aposentadoria por Invalidez
A aposentadoria por invalidez está prevista no art. 42 da Lei nº 8.213/91, que estabelece:
“A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.”
Um ponto importante a ser destacado é que, mesmo sendo considerada “permanente”, a legislação prevê a possibilidade de reavaliação periódica da condição de incapacidade. O art. 101 da Lei nº 8.213/91 determina que o segurado em gozo de aposentadoria por invalidez está obrigado a submeter-se a exames médico-periciais a cargo da Previdência Social a cada dois anos, sob pena de suspensão do benefício.
No entanto, existem exceções a essa regra. O §1º do mesmo artigo dispensa da reavaliação os aposentados por invalidez que:
- Contem com 60 anos ou mais de idade
- Estejam em gozo do benefício há mais de 15 anos
- Tenham 55 anos ou mais e estejam em gozo do benefício há mais de 10 anos
Essas exceções representam uma proteção adicional aos beneficiários que já se encontram em situação de maior vulnerabilidade, seja pela idade avançada ou pelo longo período em que já estão afastados do mercado de trabalho.
Aposentadoria por Invalidez Concedida Judicialmente
Quando o segurado tem seu pedido de aposentadoria por invalidez negado administrativamente pelo INSS, ele pode recorrer ao Poder Judiciário para buscar o reconhecimento do seu direito. Nesses casos, o juiz analisa as provas apresentadas, incluindo laudos médicos particulares e a realização de perícia judicial, para decidir se o segurado faz jus ao benefício.
Diferenças entre Concessão Administrativa e Judicial
A principal diferença entre a concessão administrativa e judicial da aposentadoria por invalidez está na origem da decisão que reconheceu o direito ao benefício. Enquanto na via administrativa é o próprio INSS que reconhece a incapacidade permanente do segurado, na via judicial é o Poder Judiciário que, após análise das provas e realização de perícia médica judicial, determina a concessão do benefício.
Essa diferença é fundamental para compreender a controvérsia sobre a possibilidade de o INSS revisar e cancelar administrativamente benefícios concedidos judicialmente, como veremos ao analisar os impactos da separação dos poderes na atuação administrativa do INSS.
Possibilidade de Revisão Administrativa
Um dos pontos mais controversos relacionados à aposentadoria por invalidez concedida judicialmente é a possibilidade de o INSS realizar a revisão administrativa desse benefício e, eventualmente, proceder ao seu cancelamento caso constate a recuperação da capacidade laborativa do segurado.
O que diz a Legislação
A legislação previdenciária estabelece a possibilidade de revisão periódica dos benefícios por incapacidade. O art. 101 da Lei nº 8.213/91 determina que:
“O segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido estão obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos.”
Com base nesse dispositivo, o INSS entende que possui competência para revisar administrativamente todos os benefícios por incapacidade, independentemente de terem sido concedidos pela via administrativa ou judicial.
Entendimento do INSS
O INSS defende que a revisão administrativa dos benefícios por incapacidade, incluindo aqueles concedidos judicialmente, está amparada pela legislação previdenciária e representa o exercício do seu poder-dever de fiscalização.
A autarquia argumenta que a decisão judicial que concede a aposentadoria por invalidez reconhece a incapacidade do segurado naquele momento, mas não impede que, posteriormente, seja verificada a recuperação da capacidade laborativa, o que justificaria o cancelamento do benefício.
Essa posição foi formalizada em 2016, com a publicação de uma portaria conjunta do INSS e da Procuradoria-Geral Federal (PGF), que permitia o corte imediato de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença concedidos judicialmente se fosse constatado que o beneficiário tinha condições para o trabalho.
Posicionamento do Poder Judiciário
A questão da possibilidade de o INSS revisar e cancelar administrativamente benefícios concedidos judicialmente tem sido objeto de intenso debate no Poder Judiciário, com posicionamentos divergentes nos tribunais regionais e uma tendência de consolidação no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Jurisprudência do STJ
O Superior Tribunal de Justiça tem firmado entendimento no sentido de que os benefícios por incapacidade concedidos judicialmente só podem ser revisados mediante nova ação judicial.
Conforme decisões recentes, o STJ tem considerado que a revisão administrativa de benefícios concedidos judicialmente viola o princípio da separação dos poderes e a coisa julgada. De acordo com esse entendimento, se o Poder Judiciário reconheceu o direito do segurado à aposentadoria por invalidez, o INSS não pode, unilateralmente, cancelar esse benefício com base em nova avaliação médica.
Em diversos julgados, o STJ tem reafirmado que “somente é possível a revisão da aposentadoria por incapacidade permanente concedida judicialmente mediante outra ação judicial”. Entre os precedentes citados estão o REsp n. 1.201.503/RS e o AgRg no REsp n. 1.267.699/ES.
Argumentos Jurídicos
Os principais argumentos jurídicos que fundamentam o posicionamento do STJ são:
- Respeito à coisa julgada: A decisão judicial que concede a aposentadoria por invalidez faz coisa julgada material, não podendo ser modificada administrativamente pelo INSS.
- Separação dos poderes: Permitir que o INSS cancele administrativamente um benefício concedido pelo Poder Judiciário representaria uma invasão da esfera de competência do Judiciário pelo Executivo.
- Segurança jurídica: O segurado que obteve o reconhecimento judicial do seu direito à aposentadoria por invalidez tem a legítima expectativa de que esse direito será respeitado e só poderá ser revisto pelo mesmo poder que o concedeu.
Tema 1.157 do STJ e suas Implicações
A questão da revisão administrativa de benefícios por incapacidade concedidos judicialmente ganhou ainda mais relevância com a afetação do Tema 1.157 ao rito dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça.
O que está em discussão
O Tema 1.157 do STJ discute “a possibilidade de o INSS cessar administrativamente benefício previdenciário por incapacidade, concedido por decisão judicial, sem prévia manifestação do juízo concessor”.
A definição desse tema pelo STJ terá efeito vinculante para todas as instâncias do Poder Judiciário, estabelecendo um entendimento uniforme sobre a questão e trazendo maior segurança jurídica para segurados e para a própria administração previdenciária.
Possíveis Impactos da Decisão
Dependendo do resultado do julgamento do Tema 1.157, poderemos ter diferentes cenários:
- Se o STJ decidir que o INSS não pode cessar administrativamente benefícios concedidos judicialmente: A autarquia será obrigada a ajuizar ação revisional sempre que entender que houve recuperação da capacidade laborativa do segurado, o que pode aumentar significativamente o número de ações judiciais.
- Se o STJ decidir que o INSS pode cessar administrativamente benefícios concedidos judicialmente: Os segurados ficarão sujeitos a reavaliações periódicas pelo INSS, com possibilidade de cancelamento do benefício, tendo que recorrer novamente ao Judiciário caso discordem da decisão administrativa.
A tabela abaixo sintetiza as principais diferenças entre os dois cenários:
Cenário | Procedimento para Revisão | Impacto para o Segurado | Impacto para o INSS |
---|---|---|---|
INSS não pode revisar administrativamente | Nova ação judicial | Maior segurança jurídica | Aumento do número de ações revisionais |
INSS pode revisar administrativamente | Perícia médica administrativa | Menor segurança jurídica | Maior autonomia administrativa |
Direitos e Garantias do Segurado
Independentemente do entendimento que venha a prevalecer sobre a possibilidade de revisão administrativa de benefícios concedidos judicialmente, é importante que os segurados conheçam seus direitos e as garantias legais que os protegem.
Direito ao Contraditório e Ampla Defesa
Em qualquer procedimento de revisão de benefício, seja administrativo ou judicial, o segurado tem direito ao contraditório e à ampla defesa, princípios constitucionais que garantem a possibilidade de se manifestar e produzir provas antes de qualquer decisão que possa afetar seus direitos.
No caso de convocação para perícia médica de revisão, o segurado deve ser notificado com antecedência e tem o direito de apresentar documentos médicos que comprovem a manutenção da sua incapacidade.
Recursos Administrativos e Judiciais
Se o INSS decidir cancelar a aposentadoria por invalidez após perícia médica, o segurado pode apresentar recurso administrativo ao Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS) no prazo de 30 dias.
Caso o recurso administrativo seja negado, ou se o segurado preferir, é possível ajuizar ação judicial questionando o cancelamento do benefício. Nesse caso, é recomendável buscar orientação especializada para garantir a defesa adequada dos seus direitos previdenciários.
Exceções à Obrigatoriedade de Reavaliação
Como já mencionado anteriormente, o §1º do art. 101 da Lei nº 8.213/91 estabelece exceções à obrigatoriedade de submissão a exames médico-periciais para os seguintes grupos:
- Aposentados por invalidez com 60 anos ou mais de idade
- Aposentados por invalidez que estejam em gozo do benefício há mais de 15 anos
- Aposentados por invalidez com 55 anos ou mais e que estejam em gozo do benefício há mais de 10 anos
Essas exceções representam uma proteção adicional para os segurados que se encontram em situação de maior vulnerabilidade, seja pela idade avançada ou pelo longo período em que já estão afastados do mercado de trabalho.
Casos Práticos e Recomendações
Para ilustrar melhor as questões discutidas neste artigo, vamos analisar alguns casos práticos e apresentar recomendações para os segurados que se encontram em situações semelhantes.
Caso 1: Aposentadoria por Invalidez Concedida Judicialmente Há Menos de 10 Anos
João obteve aposentadoria por invalidez por decisão judicial há 5 anos, após ter seu pedido negado administrativamente pelo INSS. Recentemente, recebeu notificação para comparecer a uma perícia médica de revisão.
Recomendações:
- Comparecer à perícia médica na data agendada
- Levar todos os documentos médicos atualizados que comprovem a manutenção da incapacidade
- Solicitar a presença de acompanhante durante a perícia, se necessário
- Em caso de cancelamento do benefício, buscar orientação jurídica para avaliar a possibilidade de questionar a decisão judicialmente
Caso 2: Aposentadoria por Invalidez Concedida Judicialmente Há Mais de 15 Anos
Maria recebe aposentadoria por invalidez concedida por decisão judicial há 16 anos. Ela tem atualmente 58 anos de idade e recebeu notificação para comparecer a uma perícia médica de revisão.
Recomendações:
- Verificar se está enquadrada nas exceções previstas no §1º do art. 101 da Lei nº 8.213/91
- Caso esteja enquadrada nas exceções, apresentar ao INSS documentação que comprove essa condição
- Se o INSS insistir na realização da perícia, buscar orientação jurídica para avaliar a possibilidade de questionar administrativamente ou judicialmente essa exigência
Caso 3: Aposentadoria por Invalidez Cancelada Administrativamente
Pedro teve sua aposentadoria por invalidez, concedida judicialmente, cancelada após perícia médica administrativa que concluiu pela recuperação da sua capacidade laborativa. Ele discorda da conclusão pericial e acredita que continua incapacitado para o trabalho.
Recomendações:
- Apresentar recurso administrativo ao CRPS no prazo de 30 dias
- Buscar novos laudos médicos que comprovem a manutenção da incapacidade
- Considerar a possibilidade de ajuizar nova ação judicial questionando o cancelamento do benefício
- Enquanto aguarda o resultado do recurso ou da ação judicial, verificar a possibilidade de requerer outro benefício previdenciário compatível com sua situação
Conclusão
A questão da possibilidade de o INSS revisar e cancelar administrativamente aposentadorias por invalidez concedidas judicialmente ainda não está pacificada no ordenamento jurídico brasileiro. Embora o STJ venha firmando entendimento no sentido de que é necessária nova ação judicial para revisar benefícios concedidos judicialmente, o julgamento definitivo do Tema 1.157 trará maior segurança jurídica sobre o assunto.
Enquanto isso, é fundamental que os segurados em gozo de aposentadoria por invalidez concedida judicialmente conheçam seus direitos e as garantias legais que os protegem, buscando sempre orientação jurídica especializada para garantir a defesa adequada dos seus interesses previdenciários e evitar prejuízos decorrentes de cancelamentos indevidos de benefícios.