A 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão que obriga a Central Nacional Unimed – Cooperativa Central a fornecer o medicamento “Stelara 90 mg” para uma paciente diagnosticada com Doença de Crohn. A decisão foi tomada em um Agravo de Instrumento interposto pela Unimed contra a tutela de urgência concedida pela 8ª Vara Cível da Comarca de Santo André-SP.
Sumário
ToggleEntenda a Doença de Crohn e o Tratamento com Stelara
A Doença de Crohn é uma doença inflamatória intestinal crônica que pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal. No caso em questão, a paciente apresentava a condição no intestino delgado, juntamente com manifestações extra-intestinais como eritema nodoso. O tratamento indicado por seu médico incluía o uso do medicamento Stelara (Ustequinumabe), que é um imunossupressor utilizado para reduzir a inflamação.
Negativa de Cobertura e Abusividade Reconhecida
A Unimed negou a cobertura do medicamento, alegando que seu uso seria “off label” (fora das indicações aprovadas pela ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar), conforme RN 465/2021. A súmula 102 do Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, considera abusiva a negativa de cobertura de tratamento indicado por um médico, mesmo que “off label”.
Argumentos da Unimed e Fundamentação da Decisão
Argumentos da Unimed
A Unimed argumentou que não estavam presentes os requisitos para a antecipação de tutela, destacando a necessidade de uma perícia médica antes de qualquer decisão, e que a negativa de cobertura não era abusiva por se tratar de um uso “off label”. A empresa solicitou a suspensão da decisão liminar até a realização de uma perícia médica.
Fundamentação da Decisão
A decisão foi fundamentada no princípio da urgência e na evidência do direito, conforme disposto no artigo 300 do Código de Processo Civil. O relator do caso, Desembargador Jane Franco Martins, destacou que o vínculo contratual entre as partes e a prescrição médica para o uso do Stelara eram suficientes para justificar a tutela de urgência, dada a gravidade da doença e o risco de câncer de intestino.
Veja a ementa da decisão:
Agravo de Instrumento – Saúde – Decisão agravada deferiu tutela de urgência em favor da autora – Recurso da ré – Tutela de Urgência – Probabilidade do direito e perigo de dano devidamente demonstrados – Preenchimento dos requisitos exigidos pelo art. 300 do CPC – Autora diagnosticada com doença de Crohn em delgado (CID K50.0), com indicação de tratamento com o medicamento “Stelara 90 mg” – Negativa de cobertura que apresenta contornos de abusividade, a teor da súmula 102 deste Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo – Questões relacionadas à especificidade de indicação do uso do medicamento “off label”, que não se sobrepõe à indicação médica para uso do fármaco indispensável ao tratamento do diagnóstico da autora – Parecer emitido pela auditoria médica instaurada pela operadora que deve ser visto com cautela, dada a sua parcialidade – Reversibilidade da medida em caso de alteração do julgado, a teor do art. 302, I, CPC – Dever jurídico do plano de saúde custear medicamento pleiteado, nos termos da prescrição médica – Decisão mantida – Recurso desprovido.
(TJ-SP – Agravo de Instrumento: 21753503120248260000 Santo André, Relator: Jane Franco Martins, Data de Julgamento: 20/06/2024, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 20/06/2024)
Avaliação da Parcialidade e do Parecer da Auditoria Médica
A decisão também levou em consideração a parcialidade do parecer da auditoria médica realizada pela operadora de saúde.
O tribunal considerou que os profissionais responsáveis pela auditoria não tinham conhecimento detalhado do quadro clínico da paciente e não a avaliaram pessoalmente, o que limitava a validade de suas conclusões frente à indicação médica expressa.
Precedentes e Contexto Legal
A decisão citou precedentes da mesma Câmara de Direito Privado, reforçando a obrigação das operadoras de saúde em custear tratamentos indicados por médicos, mesmo quando considerados “off label”.
Um exemplo citado foi um caso de apelação cível envolvendo o fornecimento do medicamento Keytruda, onde o tribunal também considerou abusiva a negativa de cobertura por parte do plano de saúde.
Conclusão da Decisão
A decisão de manter a tutela de urgência foi unânime entre os desembargadores, reafirmando a obrigatoriedade da Unimed em fornecer o medicamento conforme prescrito.
A relatora Jane Franco Martins destacou que a manutenção da saúde e qualidade de vida da paciente é prioridade, e que eventuais prejuízos financeiros podem ser resolvidos posteriormente, caso a decisão seja revertida no futuro.
Impacto e Relevância da Decisão
Esta decisão tem grande relevância para os direitos dos pacientes e a responsabilidade das operadoras de saúde. Ela reforça a necessidade de as empresas respeitarem as prescrições médicas e assegurarem o tratamento adequado aos seus beneficiários, mesmo diante de questões regulatórias complexas como o uso “off label” de medicamentos.
Além disso, a decisão contribui para o fortalecimento da jurisprudência em favor dos consumidores na área da saúde, estabelecendo um importante precedente para futuros casos similares.