Em um julgamento recente, a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu manter a decisão de primeira instância que obrigava a Notre Dame Intermédica Saúde S.A. a cobrir o tratamento de laserterapia para um paciente com osteonecrose decorrente de tratamento de neoplasia maligna. A decisão foi unânime, com votos dos desembargadores Alcides Leopoldo (presidente), Márcia Dalla Déa Barone e Carlos Castilho Aguiar França.
Sumário
ToggleContexto do Caso
O caso envolveu a negativa da Notre Dame Intermédica em fornecer a cobertura de laserterapia de baixa potência, um tratamento prescrito pelo médico assistente do paciente. O paciente, que sofria de mieloma múltiplo e utilizou o medicamento Zometa, apresentou exposição óssea e osteonecrose induzida por bifosfonatos após uma manipulação periodontal. Diante do insucesso de tratamentos anteriores, a laserterapia foi indicada como uma medida necessária para evitar a evolução da doença.
Argumentos da Defesa
A Notre Dame Intermédica sustentou que o tratamento solicitado não estava coberto pelo plano de saúde contratado e não preenchia os critérios das Diretrizes de Utilização do Rol de Procedimentos Médicos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A operadora também questionou a imposição de multas diárias em caso de descumprimento da ordem judicial e solicitou a reforma da decisão.
Fundamentação da Decisão
O Tribunal de Justiça de São Paulo fundamentou sua decisão em precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e em súmulas do próprio tribunal. De acordo com a jurisprudência, o plano de saúde não pode excluir procedimentos necessários para o tratamento de uma doença coberta pelo contrato, mesmo que esses procedimentos não estejam previstos no rol da ANS. A corte enfatizou que a negativa de cobertura sob o argumento de ausência no rol de procedimentos da ANS é abusiva quando há expressa indicação médica.
Jurisprudência e Súmulas Relevantes
O STJ já decidiu que o Código de Defesa do Consumidor se aplica aos contratos de plano de saúde, o que reforça a obrigação das operadoras de cobrir tratamentos necessários. A Súmula 608 do STJ e a Súmula 102 do TJSP foram citadas como fundamentos para a decisão. A Súmula 102, especificamente, declara abusiva a negativa de cobertura de tratamento sob o argumento de sua natureza experimental ou de não estar previsto no rol da ANS, desde que haja indicação médica.
Natureza Taxativa do Rol da ANS
Embora a ANS mantenha um rol de procedimentos como referência básica para os planos de saúde, a Lei 14.454/2022 e a jurisprudência do STJ estabelecem que esse rol não pode ser interpretado de maneira estritamente taxativa. Em casos específicos, onde tratamentos não listados no rol são necessários para a cura ou melhora do paciente, a cobertura deve ser garantida.
Implicações da Decisão
A decisão do TJSP reafirma a proteção dos direitos dos consumidores de planos de saúde, garantindo que tratamentos essenciais não podem ser negados sob pretextos administrativos. A obrigação de cobertura inclui todos os procedimentos, exames, materiais e medicamentos prescritos pelo médico assistente, desde que relacionados ao tratamento da doença coberta pelo plano.
Importância da Laserterapia no Tratamento
A laserterapia de baixa potência foi prescrita para o paciente com o objetivo de melhorar o quadro clínico de osteonecrose, uma condição severa que pode resultar em significativa perda de qualidade de vida. A decisão judicial reconheceu a necessidade do tratamento, evitando a evolução da doença e possíveis complicações adicionais. A negativa de cobertura poderia agravar a situação do paciente, justificando a urgência e a obrigatoriedade de fornecer o tratamento indicado.
Aplicação de Multas Diárias
O tribunal manteve a imposição de multas diárias de R$ 500,00, limitadas a R$ 50.000,00, em caso de descumprimento da ordem de cobertura pela Notre Dame Intermédica. Essa medida visa garantir o cumprimento da obrigação de fazer, conforme destacado pelos juristas Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, que defendem a aplicação de multas significativas para induzir o cumprimento das obrigações específicas.
Natureza Inibitória das Multas
A aplicação de multas não tem o objetivo de enriquecimento do paciente, mas de coagir a operadora a cumprir sua obrigação de cobertura. O valor da multa foi considerado adequado e proporcional à urgência do caso e à necessidade de assegurar o tratamento imediato do paciente, sem inviabilizar administrativamente o cumprimento da decisão.
Conclusão
A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo é um importante precedente na defesa dos direitos dos consumidores de planos de saúde, reforçando a obrigação das operadoras em fornecer cobertura para tratamentos essenciais prescritos por médicos, mesmo quando tais tratamentos não estão explicitamente listados no rol da ANS. Este caso destaca a importância da intervenção judicial na garantia de tratamentos adequados e eficazes para pacientes em situações críticas, assegurando que a saúde e o bem-estar dos beneficiários sejam prioritários diante de argumentos administrativos das operadoras de saúde.