O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através de sua 3ª Câmara de Direito Privado, decidiu em sessão permanente e virtual pela manutenção da sentença de primeira instância que obriga a Sul América Companhia de Seguro Saúde a custear tratamento de leucemia linfoblástica aguda (LLA) com presença do cromossomo Philadelphia (LLA B Ph positivo) para uma paciente. A decisão, relatada pelo Desembargador Schmitt Corrêa, confirmou a obrigatoriedade de cobertura dos medicamentos Rituximabe, Pentamidina e imunoglobulina humana, além de indenização por danos morais.
Sumário
ToggleContexto e Fundamentação da Decisão
A paciente, diagnosticada com LLA B Ph positivo, teve a prescrição médica para utilização dos medicamentos Rituximabe 1400mg (subcutâneo, semanal), Pentamidina 300mg (endovenosa, mensal) e reposição mensal de imunoglobulina humana. Inicialmente, a Sul América negou a cobertura com base na argumentação de que dois dos medicamentos eram de uso off-label (indicação fora da bula) e não preenchiam as diretrizes da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Princípios de Boa-Fé e Função Social do Contrato
A decisão do Tribunal enfatizou a natureza consumerista do contrato de plano de saúde, destacando que o bem maior a ser tutelado é a vida e a saúde do contratante. Com base no princípio da boa-fé e na função social do contrato, a sentença mitigou parcialmente o princípio do pacta sunt servanda, que preconiza a observância dos termos contratuais estritamente como acordados.
Lei nº 14.454/2022 e Rol da ANS
A recusa da operadora foi confrontada com a Lei nº 14.454/2022, que estabelece o rol da ANS como uma referência básica para cobertura de procedimentos em saúde. O Tribunal considerou que a negativa de cobertura com base na não inclusão dos medicamentos no rol da ANS era desvantajosa para a consumidora e, portanto, abusiva. Além disso, a decisão destacou que os medicamentos possuíam registro na ANVISA e foram prescritos por um médico especialista.
Cobertura de Medicamentos e Indenização por Danos Morais
A sentença de primeira instância, mantida pelo Tribunal, condenou a Sul América a autorizar e custear os medicamentos prescritos, além de reembolsar valores já despendidos pela paciente. Adicionalmente, a operadora foi condenada ao pagamento de R$ 10.000,00 por danos morais, devido à angústia e sofrimento causados pela negativa de tratamento.
Argumentos da Operadora e Contraposição Jurídica
A Sul América alegou que a prescrição dos medicamentos era experimental e não preenchia as diretrizes da ANS, sustentando que a liberdade do médico na prescrição deveria estar condicionada à evidência científica respaldada por regulamentação. Contudo, o Tribunal refutou tais argumentos, citando a necessidade de observância aos direitos fundamentais à vida e saúde, e que a recusa representava uma desvantagem extrema para a paciente, violando o Código de Defesa do Consumidor.
Precedentes e Decisões Correlatas
O acórdão fez referência a precedentes do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça, reafirmando o entendimento de que a negativa de cobertura por parte de operadoras de plano de saúde, especialmente quando envolvem medicamentos com registro na ANVISA e prescritos para tratamento de doenças cobertas pelo contrato, é considerada abusiva.
Conclusão
A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo representa um importante precedente na defesa dos direitos dos consumidores de planos de saúde, ressaltando a importância da cobertura de tratamentos prescritos para doenças graves, mesmo quando os medicamentos envolvidos não estão expressamente previstos nas diretrizes da ANS. A sentença reafirma o compromisso com a proteção da vida e saúde dos pacientes, destacando a função social dos contratos de saúde suplementar e a necessidade de observância dos princípios de boa-fé e justiça nas relações consumeristas.