A endometriose é uma condição crônica que afeta milhões de mulheres brasileiras, causando dores severas e, em muitos casos, incapacitação para atividades cotidianas e laborais. Diante da gravidade dos sintomas que podem acometer as portadoras dessa doença, surge o questionamento sobre a possibilidade de aposentadoria ou outros benefícios previdenciários específicos. Atualmente, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que buscam incluir a endometriose no rol de doenças que dispensam carência para concessão de benefícios previdenciários, reconhecendo o impacto significativo que essa condição pode ter na vida profissional das mulheres.
Sumário
ToggleO Que é Endometriose e Como Afeta a Capacidade Laboral
A endometriose é uma doença crônica caracterizada pelo crescimento de tecido endometrial (que normalmente reveste o útero) fora da cavidade uterina, podendo afetar ovários, tubas uterinas, intestino e outros órgãos pélvicos. Esta condição afeta aproximadamente 10% das mulheres em idade reprodutiva no Brasil, sendo que muitas delas enfrentam sintomas debilitantes que comprometem significativamente sua qualidade de vida e capacidade laboral.
Os sintomas da endometriose variam em intensidade, mas frequentemente incluem:
- Dores pélvicas intensas, especialmente durante o período menstrual
- Dor durante relações sexuais (dispareunia)
- Dor ao urinar ou evacuar, principalmente durante o período menstrual
- Sangramento menstrual intenso ou irregular
- Fadiga crônica
- Infertilidade
- Distúrbios intestinais e urinários
Nos casos mais graves, a endometriose pode causar dores incapacitantes que impedem a mulher de realizar suas atividades cotidianas e profissionais. A intensidade dos sintomas varia entre as pacientes, mas existe um grupo significativo para o qual as dores são efetivamente incapacitantes, levando a faltas frequentes ao trabalho e, em alguns casos, à impossibilidade de manter uma atividade profissional regular.
Impacto da Endometriose na Vida Profissional
O impacto da endometriose na vida profissional das mulheres é frequentemente subestimado. Muitas portadoras da doença enfrentam ausências recorrentes no trabalho devido às dores intensas e até mesmo necessitam de saídas emergenciais para atendimento hospitalar durante o expediente. Esta situação pode gerar constrangimento e até mesmo preconceito no ambiente de trabalho, uma vez que nem todos têm conhecimento sobre a gravidade da condição.
Estudos mostram que mulheres com endometriose perdem, em média, 11 horas de trabalho por semana devido aos sintomas da doença. Além disso, muitas relatam redução na produtividade mesmo quando estão presentes no trabalho, devido às dores crônicas e aos efeitos colaterais dos medicamentos utilizados para controle dos sintomas.
A endometriose profunda, forma mais grave da doença, frequentemente requer intervenções cirúrgicas complexas e períodos prolongados de recuperação, o que pode levar a afastamentos temporários do trabalho por períodos significativos. Em alguns casos, mesmo após o tratamento cirúrgico, as pacientes continuam a apresentar sintomas que limitam sua capacidade laboral.
Diagnóstico e Tratamento da Endometriose
O diagnóstico da endometriose é frequentemente tardio, levando em média 7 a 10 anos desde o início dos sintomas até a confirmação da doença. Isso ocorre devido à normalização das dores menstruais na sociedade e à falta de conhecimento sobre a condição, tanto entre a população geral quanto entre profissionais de saúde.
O diagnóstico definitivo é realizado por meio de exames de imagem especializados, como ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal e ressonância magnética da pelve. Em alguns casos, pode ser necessária a realização de videolaparoscopia, procedimento cirúrgico que permite a visualização direta dos focos de endometriose e a coleta de material para análise histológica.
O tratamento da endometriose é individualizado e pode incluir:
- Medicamentos para controle da dor (analgésicos e anti-inflamatórios)
- Terapias hormonais para supressão da menstruação
- Cirurgia para remoção dos focos de endometriose
- Abordagem multidisciplinar envolvendo ginecologistas, fisioterapeutas pélvicos, psicólogos e outros especialistas
Nos casos de endometriose profunda, a cirurgia com equipe multidisciplinar é frequentemente necessária, especialmente quando há comprometimento de órgãos como intestino, bexiga e ureteres. Este procedimento é complexo e requer período prolongado de recuperação.
Legislação Atual Sobre Aposentadoria e Endometriose
Atualmente, a legislação previdenciária brasileira não inclui a endometriose entre as doenças que dispensam carência para concessão de benefícios como auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Isso significa que, para ter acesso a esses benefícios, a portadora de endometriose precisa cumprir o período de carência de 12 meses de contribuição ao INSS, além de comprovar a incapacidade laboral por meio de perícia médica.
De acordo com o artigo 26, inciso II, da Lei 8.213/91, a carência é dispensada para concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social.
Entre as doenças que atualmente dispensam carência, encontram-se:
- Tuberculose ativa
- Hanseníase
- Alienação mental
- Neoplasia maligna (câncer)
- Cegueira
- Paralisia irreversível e incapacitante
- Cardiopatia grave
- Doença de Parkinson
- Espondilite anquilosante
- Nefropatia grave
- Estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante)
- Síndrome da deficiência imunológica adquirida (AIDS)
- Contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada
- Hepatopatia grave
Como se pode observar, a endometriose não consta nesta lista, o que dificulta o acesso das portadoras da doença aos benefícios previdenciários, especialmente nos casos em que a incapacidade surge antes do cumprimento do período de carência.
Entendimento Atual do INSS Sobre Endometriose
O entendimento atual do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é que a endometriose, por si só, não justifica a concessão de aposentadoria por invalidez. Segundo a autarquia, a doença não torna inválida a portadora, uma vez que existe a possibilidade de tratamento cirúrgico que, quando bem realizado por equipe multidisciplinar, pode amenizar os sintomas e devolver qualidade de vida à paciente.
No entanto, o INSS reconhece que, em determinadas situações, a endometriose pode justificar a concessão de auxílio-doença (atualmente denominado Benefício por Incapacidade Temporária), especialmente nos casos em que há indicação de tratamento cirúrgico. Nestes casos, o benefício é concedido pelo período necessário para a realização da cirurgia e recuperação pós-operatória, conforme avaliação da perícia médica do INSS.
É importante destacar que, mesmo nos casos em que o auxílio-doença é concedido, a portadora de endometriose enfrenta dificuldades na perícia médica do INSS, uma vez que os sintomas da doença são subjetivos e nem sempre podem ser comprovados por exames objetivos. Além disso, muitos peritos não têm conhecimento aprofundado sobre a endometriose e seus impactos na capacidade laboral, o que pode levar a avaliações inadequadas.
Decisões Judiciais Sobre Endometriose e Benefícios Previdenciários
Diante das dificuldades enfrentadas na via administrativa, muitas portadoras de endometriose recorrem ao Poder Judiciário para garantir seu direito a benefícios previdenciários. A jurisprudência tem reconhecido, em casos específicos, o direito ao auxílio-doença para mulheres com endometriose grave, especialmente quando há comprovação da incapacidade laboral por meio de laudos médicos detalhados e exames complementares.
Um exemplo relevante é o caso julgado pela 17ª Vara Federal de Porto Alegre, que reconheceu o direito ao auxílio-doença para uma trabalhadora com diagnóstico de endometriose intestinal profunda. Na decisão, a juíza federal destacou que a autora se tornou “incapaz para a incapacidade laborativa em virtude de doença grave que demandou realização de cirurgia, colocação de bolsa de colostomia, longo prazo de recuperação, havendo ainda necessidade de realização de outra cirurgia futuramente”.
Neste caso específico, o INSS havia negado o benefício sob a alegação de que a segurada não teria cumprido o período de carência básico (12 meses). No entanto, a juíza entendeu que o caso demandava tratamento particularizado, autorizando a dispensa do cumprimento da carência.
Decisões como esta abrem precedentes importantes para outras portadoras de endometriose que enfrentam situações semelhantes. No entanto, é importante destacar que cada caso é analisado individualmente, considerando as particularidades da condição de saúde da segurada e seu impacto na capacidade laboral.
Projetos de Lei Sobre Endometriose e Aposentadoria
Atualmente, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que buscam incluir a endometriose no rol de doenças que dispensam carência para concessão de benefícios previdenciários. O Projeto de Lei 1069/23, de autoria da deputada Dayany Bittencourt (União-CE), propõe a inclusão da endometriose com manifestação incapacitante no rol de doenças que independem de carência para a concessão de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
Este projeto, que já teve aprovado o requerimento de urgência pela Câmara dos Deputados, também prevê que mulheres acometidas pela endometriose recebam tratamento integral pelo Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo atendimento multidisciplinar, acesso a exames complementares, assistência farmacêutica e modalidades terapêuticas reconhecidas, como fisioterapia e atividade física.
A proposta estabelece diretrizes básicas para melhoria da saúde das mulheres com endometriose, reconhecendo que, como doença incapacitante laboral definitiva, a endometriose causa dores abdominais intensas e recorrentes, deixando várias mulheres dependentes de analgésicos extremamente fortes para o controle da dor e do uso constante de anti-inflamatórios.
PL 546/2021 do Senado Federal
Outro projeto relevante é o PL 546/2021, apresentado pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), que também propõe a isenção do período de carência para a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez para mulheres com endometriose grave.
O projeto também menciona que é comum, nos casos graves, a necessidade de cirurgias de remoção das células endometriais, que podem chegar à remoção do útero, trompas e ovário, ou de porções do intestino, o que justificaria a dispensa de carência para acesso aos benefícios previdenciários.
Ideia Legislativa no Senado Federal
Além dos projetos de lei formais, existe também uma Ideia Legislativa em discussão no Senado Federal que propõe o reconhecimento da endometriose como doença incapacitante pelo INSS. Esta ideia recebeu mais de 22.000 apoios da população e, por ter ultrapassado o limite de 20.000 apoios, foi convertida em Sugestão Legislativa e encaminhada à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado.
Esta mobilização popular demonstra a relevância do tema e a necessidade de uma legislação específica que reconheça o impacto da endometriose na capacidade laboral das mulheres afetadas pela doença.
Direitos Atuais das Portadoras de Endometriose
Embora a endometriose ainda não seja reconhecida como doença incapacitante para fins de aposentadoria por invalidez, as portadoras da doença possuem alguns direitos que podem ser acessados em situações específicas.
Auxílio-Doença para Portadoras de Endometriose
Para solicitar o auxílio-doença, a segurada deve:
- Comprovar a qualidade de segurada (estar contribuindo para o INSS)
- Cumprir o período de carência de 12 meses (exceto nos casos em que a carência é dispensada)
- Apresentar documentação médica detalhada que comprove a gravidade da endometriose e a necessidade de afastamento do trabalho
- Passar por perícia médica do INSS, que avaliará a incapacidade laboral
A documentação médica é fundamental para o sucesso do pedido de auxílio-doença. É recomendável apresentar:
- Laudo médico detalhado que descreva o diagnóstico, os sintomas, o tratamento realizado e, principalmente, as limitações que a doença impõe ao trabalho da paciente
- Exames de imagem que comprovem a presença e extensão da endometriose (ultrassonografia, ressonância magnética)
- Relatórios de outros especialistas envolvidos no tratamento (como coloproctologistas, urologistas, etc.)
- Registro das faltas no trabalho e do impacto da condição na vida profissional
É importante destacar que, mesmo com toda a documentação, o INSS frequentemente nega inicialmente o benefício, sendo necessário recorrer administrativamente ou judicialmente para garantir o direito ao auxílio-doença.
Estabilidade no Emprego para Portadoras de Endometriose
A mulher que possui endometriose não pode ser demitida pelo motivo da doença, pois isso configuraria discriminação. No entanto, é importante destacar que a endometriose, por si só, não garante estabilidade no emprego, a menos que a trabalhadora esteja afastada por auxílio-doença acidentário (código 91), o que é raro nos casos de endometriose.
Nos casos em que seja necessária a ausência da empregada do seu posto de trabalho devido à doença, ela tem direito a solicitar o benefício previdenciário adequado (auxílio-doença) e, durante o período de afastamento, seu contrato de trabalho fica suspenso, não podendo a empresa demiti-la neste período.
É importante que a trabalhadora comunique formalmente à empresa sobre sua condição de saúde e mantenha registro de todas as comunicações relacionadas ao assunto, para se proteger em caso de discriminação ou demissão injusta.
Tratamento pelo SUS e Planos de Saúde
As portadoras de endometriose têm direito a tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo consultas com especialistas, exames diagnósticos e procedimentos cirúrgicos quando necessários. No entanto, o acesso a esses serviços pode ser dificultado pela alta demanda e pela falta de profissionais especializados em endometriose na rede pública.
Quanto aos planos de saúde, estes são obrigados a cobrir o tratamento da endometriose, incluindo cirurgias, conforme previsto no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). No caso de endometriose profunda, que requer cirurgia com equipe multidisciplinar, a paciente pode recorrer à Justiça caso o plano de saúde negue a cobertura adequada.
É importante que a portadora de endometriose conheça seus direitos e busque orientação jurídica especializada em caso de negativa de cobertura pelo plano de saúde ou dificuldade de acesso ao tratamento adequado pelo SUS.
Conclusão
Embora atualmente a endometriose não esteja incluída no rol de doenças que dispensam carência para concessão de benefícios previdenciários como auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, existem projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que buscam mudar essa realidade.