O adicional de periculosidade é um direito trabalhista que tem gerado intensos debates no âmbito jurídico, especialmente quando se trata de motoristas de caminhão que operam veículos com tanques suplementares de combustível. Este artigo se propõe a analisar detalhadamente as nuances legais e jurisprudenciais que envolvem a concessão desse adicional, bem como suas implicações para empregadores e empregados do setor de transporte rodoviário.
Sumário
ToggleO que é o adicional de periculosidade?
O adicional de periculosidade é um acréscimo salarial destinado a compensar o trabalhador que exerce atividades consideradas perigosas, conforme definido em lei. No caso dos caminhoneiros, a discussão gira em torno do risco associado ao transporte de grandes quantidades de combustível, mesmo que para consumo próprio do veículo.
De acordo com o artigo 193 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), são consideradas atividades ou operações perigosas aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:
I – inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;
II – roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial;
III – atividades de segurança pessoal ou patrimonial com utilização de motocicleta;
IV – atividades de trabalhador em motocicleta.
Para os caminhoneiros, o inciso I é particularmente relevante, pois trata da exposição a inflamáveis, que é o caso do combustível armazenado nos tanques dos caminhões.
Legislação aplicável ao adicional de periculosidade para caminhoneiros
Artigo 193 da CLT
O artigo 193 da CLT é a base legal para a concessão do adicional de periculosidade. Ele estabelece que:
“São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: (Redação dada pela Lei nº 12.740, de 2012)
I – inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)
[…]
§ 1º – O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)”
Norma Regulamentadora 16 (NR-16)
A NR-16, emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, regulamenta as atividades e operações perigosas. O item 16.6 desta norma é crucial para o caso dos caminhoneiros, pois trata especificamente do transporte de inflamáveis líquidos.
De acordo com a NR-16, item 16.6:
“As operações de transporte de inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos, em quaisquer vasilhames e a granel, são consideradas em condições de periculosidade, exclusão para o transporte em pequenas quantidades, até o limite de 200 (duzentos) litros para os inflamáveis líquidos e 135 (cento e trinta e cinco) quilos para os inflamáveis gasosos liquefeitos.”
Este item é fundamental para a discussão sobre o adicional de periculosidade para motoristas de caminhão, pois estabelece um limite quantitativo para a caracterização da periculosidade.
Entendimento do TST sobre o tema
Jurisprudência consolidada
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem consolidado o entendimento de que motoristas de caminhão que conduzem veículos com tanque suplementar de combustível com capacidade superior a 200 litros têm direito ao adicional de periculosidade. Esta interpretação se baseia na equiparação dessa situação ao transporte de inflamáveis, conforme previsto na NR-16.
Casos emblemáticos
Um caso que se tornou referência nessa discussão foi julgado pela Quarta Turma do TST. Nele, a corte condenou uma empresa de transporte ao pagamento do adicional de periculosidade a um motorista que conduzia um caminhão com dois tanques de combustível originais de fábrica, totalizando 770 litros.
A ministra Maria Cristina Peduzzi, relatora do recurso, explicou que a condução de caminhões com tanque suplementar, extra ou reserva de combustível, com capacidade superior a 200 litros, ainda que para consumo do próprio veículo, se equipara à condição de periculosidade de transporte de inflamáveis, nos termos do item 16.6 da NR 16.
Requisitos para concessão do adicional
Capacidade do tanque suplementar
O principal requisito para a concessão do adicional de periculosidade a caminhoneiros é a capacidade total de armazenamento de combustível do veículo. Se o caminhão possuir tanques (originais ou suplementares) que, somados, ultrapassem 200 litros, o motorista terá direito ao adicional.
É importante ressaltar que não importa se o tanque é original de fábrica ou instalado posteriormente. O que conta é a capacidade total de armazenamento de combustível do veículo.
Finalidade do tanque extra
Outro ponto relevante é que a finalidade do tanque extra não interfere na concessão do adicional. Mesmo que o combustível seja destinado exclusivamente ao consumo do próprio veículo, se a capacidade total ultrapassar 200 litros, o adicional será devido.
Impacto financeiro para empregadores e empregados
A concessão do adicional de periculosidade tem um impacto financeiro significativo tanto para empregadores quanto para empregados. Para os trabalhadores, representa um aumento de 30% sobre o salário base, o que pode resultar em uma melhoria considerável na remuneração.
Para as empresas, por outro lado, implica em um aumento nos custos trabalhistas. Além do valor do adicional em si, há reflexos em outras verbas como férias, 13º salário e FGTS. Veja a tabela abaixo para entender melhor o impacto:
Verba | Sem Adicional | Com Adicional |
---|---|---|
Salário Base | R$ 2.000,00 | R$ 2.000,00 |
Adicional de Periculosidade | R$ 0,00 | R$ 600,00 |
Total | R$ 2.000,00 | R$ 2.600,00 |
FGTS | R$ 160,00 | R$ 208,00 |
Férias + 1/3 | R$ 2.666,67 | R$ 3.466,67 |
13º Salário | R$ 2.000,00 | R$ 2.600,00 |
Como se pode observar, o impacto financeiro é substancial, o que explica a resistência de muitas empresas em reconhecer o direito ao adicional.
Controvérsias e debates jurídicos
Apesar da jurisprudência consolidada do TST, o tema ainda gera controvérsias. Alguns argumentos contrários à concessão do adicional incluem:
- O combustível nos tanques suplementares é para consumo próprio, não caracterizando transporte de inflamáveis.
- Os tanques originais de fábrica são homologados e seguem normas de segurança, não representando risco adicional.
- A interpretação extensiva da NR-16 pelo TST extrapola o texto da norma.
Esses argumentos têm sido sistematicamente rejeitados pelo TST, mas continuam sendo levantados em instâncias inferiores e em debates acadêmicos.
Mudanças recentes na legislação
É importante destacar que houve uma mudança significativa na legislação recentemente. Em dezembro de 2023, foi aprovada uma lei que retira o adicional de periculosidade para motoristas de caminhão com tanque extra. Esta alteração legislativa pode mudar drasticamente o cenário jurídico sobre o tema.
A nova lei estabelece que o adicional de periculosidade não será devido aos motoristas empregados que trafegam em veículos com tanques suplementares de combustível, desde que estes sejam utilizados exclusivamente para consumo próprio do veículo.
Esta mudança tem gerado intensos debates no meio jurídico e trabalhista. Alguns argumentam que a lei viola direitos adquiridos dos trabalhadores, enquanto outros defendem que ela corrige uma distorção na interpretação da norma.
Como solicitar o adicional de periculosidade
Para os motoristas que acreditam ter direito ao adicional de periculosidade, o primeiro passo é verificar se o veículo que operam possui tanques com capacidade total superior a 200 litros. Em caso positivo, é recomendável seguir os seguintes passos:
- Reunir documentação: Juntar documentos que comprovem a capacidade dos tanques do veículo, como manual do fabricante ou laudo técnico.
- Comunicar o empregador: Informar formalmente à empresa sobre o direito ao adicional, solicitando sua inclusão na folha de pagamento.
- Negociação: Tentar uma negociação amigável com o empregador para o reconhecimento do direito.
- Buscar orientação jurídica: Caso a negociação não seja bem-sucedida, é aconselhável procurar um advogado especializado em direito do trabalho para avaliar o caso e, se necessário, ingressar com uma ação judicial.
- Ação judicial: Se todos os meios anteriores falharem, o caminho será ajuizar uma reclamação trabalhista pleiteando o reconhecimento do direito ao adicional de periculosidade.
É importante ressaltar que, com a recente mudança na legislação, a estratégia jurídica pode precisar ser adaptada. Por isso, a orientação de um profissional especializado é fundamental.
Conclusão
A questão do adicional de periculosidade para motoristas de caminhão com tanque suplementar é complexa e tem passado por mudanças significativas. Enquanto a jurisprudência do TST vinha se consolidando no sentido de reconhecer esse direito, a recente alteração legislativa trouxe novos elementos ao debate.
Para os caminhoneiros que se encontram nessa situação, é crucial estar bem informado e buscar orientação jurídica adequada. Se você precisa de aconselhamento especializado sobre seus direitos trabalhistas, não hesite em consultar um advogado trabalhista online. A proteção dos direitos dos trabalhadores é fundamental para garantir condições justas e seguras de trabalho no setor de transporte rodoviário.